TOURO
EXPERIMENTAÇÃO EM DRAMATURGIA
Este projeto de experimentação artística foi desenvolvido de forma híbrida (online e presencial) em 2022, por meio da escrita de diferentes formatos de texto, da leitura e do compartilhamento de referências bibliográficas sobre dramaturgia e da orientação deste processo feita por dois profissionais convidados: o artista visual, pesquisador e professor Kim Coimbra; e o ator, dramaturgo e professor Max Reinert (em memória).
Foram realizados encontros coletivos e orientações individuais focadas em cada linguagem artística, teatro e artes visuais, estabelecendo assim dois formatos possíveis de objeto dramatúrgico: uma dramaturgia teatral a ser encenada e a criação de possíveis materiais em que o público pode construir a dramaturgia da sua própria forma.
“Touro ou porque abraçar o bebê quando ele chora” é uma dramaturgia que apresenta características do teatro documental e da performance. O personagem é uma dilatação da persona do próprio ator que tenta conduzir uma palestra sobre três processos: um processo de pesquisa, um processo de isolamento e um processo jurídico. Contando como uma estrutura fragmentada a peça explora formatos de textos de diferentes procedências e estilos: canções, textos jurídicos, notícias, literatura, dicionários, manuais de instrução e outros textos não dramatúrgicos propondo um campo de experimentação em que um mesmo material pode se desdobrar em diferentes composições.
Na peça, vemos um homem gay que traz à tona as memórias de sua infância dissidente e tem sua liberdade cerceada. Baseando-se num caso real ocorrido em maio de 2021, em que o artista proponente foi censurado por um projeto intitulado “Criança Viada Show”, vemos um homem Isolado em seu apartamento diante de uma pandemia, de um governo corrupto e negacionista, diante da impossibilidade de atuar. Um corpo está em pausa e à beira de explodir. Camadas e camadas de ficção e realidade.
Uma das inspirações do processo é o filme “Isto não é um Filme” (2011) de Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb. Panahi é um cineasta proibido pelo governo iraniano de continuar produzindo filmes, devido ao teor contestador de suas obras. Em prisão domiciliar e com a ajuda de um celular, ele consegue gravar um longa sobre a impossibilidade de fazer filmes. Em uma das cenas mais comoventes do filme, Panahi delimita com fita crepe o cenário de uma das cenas do roteiro que ele não pode encenar.
São muitas as camadas que compõem esta dramaturgia e sua futura encenação: as dimensões de uma pesquisa em pausa pelo isolamento; os entraves jurídicos que evidenciam homofobia e o avanço do conservadorismo; as memórias de infância como um dispositivo de reparação do passado; os compartilhamentos de acontecimentos autobiográficos que transpõem as barreiras do público e do privado.
Outra importantante referência do processo de criação foi a dramaturgia de Sergio Blanco intitulada “El Bramido de Dusseldorf”, em que o autor sobrepõe diferentes histórias que tensionam ficção e realidade para falar da sua relação com o pai que nunca aceitou ter um filho homossexual. Na peça alternam-se planos narrativos para falar sobre a ultima viagem de um pai e seu filho.
Olhar para as relações parentais estremecidas pelas polarizações políticas da atualidade foram um dos disparadores do processo, que teve também como referência a obra literária de Paul Auster “O Inventor da solidão”, na qual o autor volta para a sua cidade natal após a morte do pai, e relembra o quanto nunca conseguiram desenvolver um vínculo afetivo. A viagem para cara acaba por se tornar uma viagem para dentro de si mesmo. Um homem se espelhando em seu pai para repensar a relação com seu filho.
Assim, estes e outros textos serviram de referência para a experimentação desenvolvida no campo dramatúrgico. Estes temas e seus arredores foram explorados pela equipe de trabalho considerando que dramaturgias podem ser escritas a partir de diferentes formas textuais. Aqui, assumidamente uma dramaturgia que existe em forma e fragmentos, mas que pode ser alinhavada de diferentes maneiras, gerando diferentes objetos.
O projeto "Touro: experimentação em dramaturgia" foi realizado com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, da Fundação Catarinense de Cultura e do Governo do Estado de Santa Catarina.
FICHA TÉCNICA:
Pesquisa, criação e produção:
DANIEL OLIVETTO
Orientação de processo:
KIM COIMBRA
MAX REINERT
Registro audiovisual e edição:
LEONAM NAGEL
Intéprete de Libras:
CAMILA FRANCISCO